* Esse texto foi feito para a disciplina Projetos Experimentais 4, da Estácio de Sá, Curso de Comunicação Social – Jornalismo. Ele é a continuação do post anterior; Para ver o trabalho completo e diagramado é só clicar aqui;Sobre a origem do carnavalNo ano de 604, o papa Gregório I determinou que os fiéis deveriam deixar de lado a vida cotidiana para se dedicar à vida espiritual durante 40 dias ao ano, como fez Jesus em sua peregrinação do deserto. Criou-se assim a Quaresma, em que o consumo de carne vermelha era proibido e a abstinência, o comedimento e a temperança eram incentivados. Em 1091 o papa Urbano II decretou a data oficial do período, que começaria com a Quarta-Feira de Cinzas e duraria até o domingo de Páscoa.
Na véspera da Quarta-Feira de Cinzas, as pessoas então começaram a se esbaldar nas carnes que não poderiam comer durante a quaresma. Faziam isso com festas, cantando, dançando e bebendo. Na Itália esse período era chamado de dias da “carne vale” ou do “carnevale”. Assim, nessa época as pessoas tomavam as ruas fazendo tudo que não podiam fazer durante a quaresma. Felipe Ferreira no livro O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro diz que as pessoas brincavam essas festas cada um a sua maneira.
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Nesse primeiro momento, o Carnaval não é uma festa diferente das outras que aconteciam durante o ano, com seus excessos e descontroles. O que dava o caráter especial ao Carnaval, o que o distinguia das outras festividades, era a grande concentração de brincadeiras num mesmo período, a proximidade com a longa abstinência da Quaresma e o fato de a coisa toda ter dia e hora marcados para acabar, pois à meia-noite da Terça-feira Gorda – ou seja, ao primeiro minuto da Quarta-feira de Cinzas – tudo terminava e o mundo parecia reencontrar seu eixo”, escreveu Ferreira. A pesquisadora Martine Grimberg definiu no livro Carnavals et masquerades que “
o Carnaval, antes de ser uma festa, é uma data”. A igreja, apesar de preocupada com os excessos da população nesse período, aceitava essas liberdades em troca delas seguirem a temperança da quaresma.
Ainda segundo Ferreira, a maioria das brincadeiras dessas pessoas contava com pessoas mascaradas e fantasiadas, como nas festas pagãs. Por volta do séc. XII estudiosos e pesquisadores começaram a escrever peças teatrais e contos humorísticos da briga entre o Senhor Carnaval, que tem os mais pobres ao seu lado, e a Dona Quaresma, que conta com o apoio dos ricos, grandes proprietários e da igreja. Ao longo do tempo, o Carnaval foi assumindo uma posição cada vez mais libertina e a Quaresma ficando mais magra e ossuda. De certa forma, é essa briga entre a libertinagem e a disciplina, que vai se estender por toda a história do Carnaval.
Em cada cidade, haviam grupos carnavalescos reunidos por idade, profissão ou interesses na folia. Essas turmas passaram a se chamar de sociedades alegres e se tornaram o padrão do carnaval da Idade Média. Cada vez mais organizados, passaram a cobrar taxas para organizar o desfile. Parte dessas taxas eram repassadas ao governo das cidades, que passaram a dar o aval oficial a essas festas. Em 1475, na Alemanha, ocorre o primeiro desfile de um carro alegórico que se tem notícia.
Durante a Renascença os nobres começaram a participar mais ativamente do Carnaval, financiando os desfiles e compondo versos para serem cantados pelos foliões. Eles vestiam luxuosas fantasias e saiam em grupos, como a Brigada dos Galés ou a Brigada das Flores. Até artistas como Michelangelo participaram do Carnaval executando as alegorias pensadas pelos nobres.
Depois do Renascimento, as festas foram ficando cada vez mais comerciais. As cidades tinha interesse em atrair os visitantes que queriam participar das comemorações. Bailes cada vez mais suntuosos são organizados para refletir o luxo das cortes européias e o Carnaval foi se tornando cada vez mais ritualizado e menos espontâneo. Bailes de máscaras, leituras de poesias e duelos se tornaram o Carnaval “oficial”. A festa de rua continuava a mesma bagunça, chegando a ser violenta. Segundo Ferreira, entre 1741 e 1763 o povo rechaçou a pedradas as cavalgadas e bailes de máscaras da nobreza da cidade francesa Salonde-Provence. Mas não era sempre assim. Em algumas cidades o povo se unia a nobreza para realizar os desfiles, até mesmo com a participação de africanos que acompanhavam o cortejo tocando tambores. Foi nessa dicotomia, entre o popular e o elitismo que o Carnaval foi se transformando ao longo do tempo.
O começo do Carnaval no BrasilNo Brasil, o Carnaval era como o de Portugal e consistia em diversas festas populares. Havia a folia-de-reis, procissão com caráter religioso, e os entrudos, que eram brigas de água, pó, cinzas, perfumes e todos os tipos de líquidos, além de brincadeiras como servir sopa cheia de pimenta, colar uma moeda no chão para as pessoas tentarem pegá-la em vão ou bezuntar escadas e maçanetas com líquidos escorregadios. Havia também queima de bonecos na véspera da Quarta-feira de Cinzas. Há relatos que havia entrudo em terras brasileiras já em 1553.
A maioria dos jogos de entrudo consistia basicamente em brigas de líquidos, pós e limões-de-cheiro (espécie de bola de cera recheada com líquidos). Havia os entrudos “familiares” praticados de dentro das casas pela elite econômica e os “populares”, feito pelas pessoas mais pobres e pelos escravos. Só os patriarcas das famílias eram poupados da bagunça. Havia também uma hierarquia a ser obedecida. Escravos não podiam jogar líquidos contra seus patrões, assim como escravos menos influentes não podiam tacar coisas contra os mais influentes. O contrário era permitido. Os jovens também aproveitavam os períodos de entrudo para o flerte menos formal, tocando os ombros e até o colo (ousadia das ousadias) das moças, como diz Machado de Assis no conto Um Dia de Entrudo.
Durante os “entrudos populares” os escravos jogavam qualquer coisa que tinham em mãos, inclusive urina e fezes, que carregavam para serem jogadas no mar. Alguns praticavam o ofício de fazer limões-de-cheiro e assim, ganhar algum trocado.
A chegada da Família Real muda o Carnaval brasileiro
De acordo com estudiosos, antes da vinda da Família Real portuguesa para terras brasileiras, os escravos africanos faziam suas festas e cerimônias para celebrar sua cultura e seus deuses junto com o restante da sociedade, que também tinha a suas procissões na época do Natal. Essas festas eram chamadas de “Festa de Congos” ou “Congadas”.
Mas com a chegada da realeza, em 1808, esses escravos foram proibidos de continuar com seus desfiles no Campo de Santana e em qualquer rua do Centro da cidade. Segundo as autoridades da corte, não ficava bem para a cidade que era a capital do reino português a reunião de milhares de negros promovendo “algazarra”, mas, na realidade, elas temiam que os negros acabassem se unindo contra o regime da escravidão.
Restaram então aos negros, escravos e libertos, aproveitarem a confusão dos dias de folia para promoverem as cerimônias de coroação de seus reis e os desfiles de séquitos reais africanos pelas ruas do centro da cidade. Assim, todos os povos de origem africana (angolas, congos, moçambiques, gêges, iorubás, cabindas) promoviam o desfile de seus próprios reis. Essas procissões partiam das igrejas de cada irmandade e seguiam para o palácio do governo, na atual Praça XV, passando pela rua do Ouvidor.
No começo do século XIX, a sociedade influente se mobilizou pela imprensa e pela polícia contra os entrudos. Em 1831, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro fez um estudo para apontar os males do entrudo para a saúde pública. Em 1832, a Câmara Municipal de Cidade de Desterro (atual Florianópolis) publicou um ofício que proibia o jogo de entrudo nos limites do município. Quem participasse do jogo levaria uma multa, se fosse cidadão, ou levaria 50 açoites, se fosse escravo. Dentro das casas, no entanto, a brincadeira familiar continuava permitida.
Apesar das proibições, das ameaças e das campanhas, o governo não conseguiu evitar que as pessoas fossem para as ruas brincar de entrudo. A alternativa para a algazarra veio com a burguesia, que importou o Carnaval elitista praticado na Europa, mais especificamente o da França. Assim, chegou o baile de máscaras chegava ao Brasil. Isso ocorreu por volta de 1840.
Como conta Felipe Ferreira, os bailes eram eventos sofisticados com regras rígidas de comportamento. Orquestras eram responsáveis pelas músicas. Era a oportunidade perfeita para os “novos ricos” se exibirem diante de toda a sociedade. Começaram a surgir lojas de fantasias. Aos poucos, como aconteceu na Europa, o termo “Carnaval” foi sendo usado pela imprensa para designar somente os bailes nos salões, enquanto “Entrudo” era a baderna na rua.
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Esses alegres eventos foram as primeiras tentativas que a elite brasileira faria para substituir a brincadeira do Entrudo, considerada antiga e grosseira, por uma festa mais galante e adequada à nova posição que o Brasil pretendia ocupar entre as nações do mundo civilizado”, escreveu Ferreira.
Em 1855, foi criado o Congresso das Sumidades Carnavalescas que basicamente consistia em um desfile de nobres que iam de baile em baile para brigar usando “buquê de flores” e “confetes” com quem estava nessas festas. Era a ocupação da elite das ruas da cidade durante o Carnaval. De acordo com jornal Correio Mercantil, isso seria uma espécie de educação das massas sobre o que realmente era o período carnavalesco.
O uso de máscaras em lugares públicos, no entanto, era proibido por questões de segurança. Mas isso não impediu o desfile do Congresso. No ano seguinte, duas novas 'sociedades carnavalescas' desfilaram pelas ruas da cidade: O Clube Carnavalesco e a Sociedade Carnavalesca União Veneziana. Depois, várias outras cidades brasileiras ao longo dos anos tiveram suas próprias agremiações desse tipo. Aos poucos, elas ganharam seu espaço no Carnaval e o Entrudo foi perdendo a força, mas ainda estava presente e era alvo de reclamação.
Segundo o livro Rancho - Estilo e Época, “
Neste ano (1885), a imprensa, liderada pelo jornal 'O Paiz', dava ressonância aos reclamas de camadas sociais influentes e abria campanha contra o entrudo. A polícia o reprime, e põe fim ao arremesso de baldes d'água, limões-de-cheiro e farinha de trigo sobre passantes, nos dias de carnaval”. Hoje em dia, a briga da imprensa contra o Carnaval consiste em atender a reclamação de moradores quanto ao trânsito caótico e foliões fazendo xixi nas ruas.
A volta da popularização do CarnavalA classe-média começou a imitar os desfiles da elite e as sociedades carnavalescas se multiplicaram. Os mais pobres e os negros também se identificaram com os desfiles, pois eles tinham suas procissões religiosas, na qual usavam fantasias. Por causa disso, ocorreram brigas pelas vias do Centro da cidade, onde haviam os desfiles. Como ocorre hoje, várias agremiações queriam sair nos mesmos lugares e no mesmos horários, o que causava extrema balbúrdia. A imprensa começou a sugerir dicas de organização de passeio, mas o poder público nada fazia. As autoridades resumiam as suas atividades em reprimir o Entrudo.
As sociedades carnavalescas passaram a fazer uso de carros alegóricos puxados por cavalos. Para se destacar de outras sociedades, em 1875, os Tenentes do Diabo desfilaram com 253 carros. Como se pode ver, essa competição entre as sociedades complicava ainda mais o Carnaval, que havia se sofisticado para ser menos bagunçado. De olho nos lucros, os comerciantes, ao contrário de hoje em dia, brigavam pelo direito de suas ruas sediarem desfiles. Eles inclusive ornamentavam as ruas para atrair as sociedades carnavalescas. Hoje, a arrumação cabe somente ao poder público, ou pela empresa que quer patrocinar o Carnaval. Seria interessante se a prefeitura incentivasse que a própria sociedade civil se organizasse para enfeitar as suas ruas para a folia.
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Depois da passagem da última sociedade, começava a debandada [das ruas]. Enchiam-se os teatros e os salões das sociedades e o regresso aos lares longíquos tornava-se um problema. Os bondes subiam com gente até a tolda, e o desfile a pé por essas ruas era lento”, escreveu Coelho Neto na Revista Ilustrada de 18 de fevereiro em 1888. Bem parecido com o que ocorre hoje em dia, quando os transportes públicos ficam lotados. No Carnaval de 2010, a estação do metrô da General Osório, em Ipanema, fechou as portas por algumas horas por causa do excesso de passageiros.
Com a bagunça cada vez maior do Carnaval no final do século XIX, o entrudo ganhou força novamente. Os negros, agora libertos, também tinham maior liberdade de se expressar (mas a polícia ainda reprimia algumas de suas manifestações culturais). A elite quis mudar então o local dos desfiles, do Centro para Botafogo, que era longe dos desfiles populares. Mas não teve sucesso. A folia carioca ficava cada vez mais popular. Algumas sociedades carnavalescas, como o Clube Democráticos, chegaram a ameaçar não desfilar por causa da confusão. Ameaça esta que não foi cumprida. Pelo menos não imediatamente. Aos poucos, com a popularização do Carnaval, essas agremiações foram desaparecendo da folia, mas não antes de desfilarem na av. Central (hoje av. Rio Branco) sob olhares de populares em palanques que eram construídos temporariamente para o Carnaval, numa espécie de pré-Sambódromo.
Para piorar o quadro, surgiram os ‘Zé Pereiras’. A origem dessa manifestação foi com um português, José Nogueira, que desfilou pelas ruas do Rio batendo um grande bumbo. Diz-se que essa prática já ocorria em Portugal. Outros foliões começaram a imitar o lusitano e logo a cidade estava cheia de Zé Pereiras. Nessa mesma época, os chamados ranchos ganharam força.
As festas negras ganham forçaComo diz o livro Rancho - Estilo e Época, “
Situar a origem dos ranchos, no tempo e espaço, é correr o risco da imprecisão, mas a maior parte das informações disponíveis aponta como berço o atual Morro da Conceição no bairro da Saúde. Ali, na localidade conhecida como Pedra do Sal, reuniam-se pretos e mulatos baianos, depois do trabalho na estiva, para reviverem seus cantos, suas histórias, danças, ritos e outros traços da cultura baiana, resultante de um largo processo de sincretismo afro-ameríndio”.
De acordo com a publicação, os ranchos por serem uma espécie de continuidade dos pastoris (manifestação religiosa mais primitiva), tinham influência totêmica em seus nomes (Flor do Abacate, Recreio das Flores, Rouxinol, Flor da Lira, Lírio Clube, Recreio do Jacaré), nas cores, nas danças negras e em seus símbolos (que eram desenhos de animais e plantas). Eram manifestações inicialmente mais simples, ao contrário das sociedades carnavalescas, que eram mais sofisticadas.
Em todo desfile dos ranchos, as Tias (como a famosa Tia Ciata) eram homenageadas pelos negros. Era na casa delas que eles faziam suas festas, seus sambas, que eram proibidos pela polícia. Com o tempo, os ranchos se sofisticaram e passaram a ser aceitos pela sociedade. Faziam desfiles pela av. Central e passaram a entrar oficialmente no calendário da folia carioca. Ao competir por melhores desfiles, os organizadores dos ranchos passaram a recorrer aos artistas da sociedade. Pintores famosos executavam trabalhos nos carros alegóricos dos ranchos, como Michelangelo fez muito tempo atrás.
Por causa dessa profissionalização do desfile, a imprensa passou a apoiar os seus desfiles e realizar concursos de melhor alegoria, enredo, dentre outras categorias. Segundo o sambista Nei Lopes, no livro O Samba na realidade..., explica que o rancho carnavalesco Ameno Rosedá (1907-1941) foi “
quem primeiro levou o carnaval-espetáculo às últimas consequências, pois nasceu para representar ‘óperas ambulantes’, inclusive com coro e orquestra, buscando para tanto a contribuição da fina flor dos artistas e intelectuais da época, por pretender deliberadamente (e numa clara busca de ascensão social por parte da maioria de negros e mulatos que o compunham) uma ruptura com as tradições populares”.
Com a urbanização do Centro da cidade no começo do século XX, os ranchos sofreram um duro impacto, pois muitos negros tiveram suas casas demolidas para a construção da futura avenida Presidente Vargas. Assim, alguns ranchos perderam parte de suas raízes e laços familiares. Mas, com o aval do poder público, essas agremiações, como as ‘sociedades carnavalescas’ passaram também a desfilar na av. Central. Isso foi o início de seu fim.
De acordo com o livro Ranchos, estilo e época, “
o que contribuiu para a lenta descaracterização e gradual perda de prestígio popular foi a oficialização dos desfiles. Os ranchos, além da contribuição dos sócios, passavam o livro de ouro entre comerciantes e populares, arrecadando dinheiro para investir na confecção e armação de seus desfiles. A oficialização inibiu esse recurso, já que o poder público acenou com apoio financeiro, que nem sempre chegava, devido a entraves burocráticos”.
Como foi lembrado por Eneida de Moraes no livro História do Carnaval Carioca, o presidente do rancho ‘Aliados de Quintino’, Radamés D’Ávila, em entrevista aos jornais, em 1957, disse que “
a subvenção que a prefeitura dá aos ranchos, mas que é paga no Carnaval do ano seguinte, mal chega de ano para ano, para as despesas com os ensaios e o desfile no dia do certame”.
O fundador dos Decididos de Quintino, Waldemar Pereira, disse ao Jornal do Brasil em 04/02/78: “
Rancho acabou quando começou a oficialização. Antes havia o Livro de Ouro, quem financiavam eram o povo e os comerciantes”. Ele explicou também que o Carnaval era divertimento das famílias e das comunidades. O primeiro desfile dos ranchos, no domingo de carnaval, ocorria nos bairros que surgiram, e no dia seguinte, na avenida.
Por volta de meados do séc. XX, cada vez mais pomposos, os ranchos começaram a perder lugar para as escolas de samba, que na época eram agremiações carnavalescas mais simples. Um dos poucos ranchos que ainda desfilam hoje é o ‘Flor do Sereno’ em Laranjeiras, criado para resgatar essa tradição do carnaval carioca.
Assim diz Nei Lopes, citando Francisco Duarte, sobre a Deixa Falar (que depois viria a se tornar a Escola de Samba da Estácio): “
No chão, o Bloco Carnavalesco Deixa Falar tomava formação de um rancho, com origem nos sujos ou embaixadas de então. Se os sujos eram a desordem e a briga, e o rancho o máximo em dança e coreografia disciplinada, o novo tipo de sociedade negra valeu-se de três elementos intermediários para alterar esse quadro de extremos: a dança espontânea, o canto das baianas e a nova harmonia dos sambas criados no Estácio. Com a dança espontânea e desinibida dos sambas de roda, mistura da improvisação dos lundus e sambas de umbigada com passos dos batuqueiros, eles se contrapunham à coreografia rígida dos ranchos e davam mais mobilidade ao desfile. O canto das baianas substituía o coro das pastoras, sustentando os estribilhos dos sambas de partidoalto enquanto os tiradores ou improvisadores aguentavam no gogó o canto para a harmonia do desfile”.
Esse tipo de agremiação passou a atrair atenção da mídia, que organizou concursos. Depois, com a profissionalização cada vez maior, os terreiros deram lugar à quadra de escola de samba. Os sambistas começam então a flertar com as classes mais favorecidas e com o Estado, criando sambas-enredo com temas nacionais e ufanistas, conforme o gosto dessas elites. Isso interessava ao povo do samba, pois com o aval do governo, a polícia parou de persegui-los. Órgãos do governo passaram a organizar os desfiles e os concursos, ditando os regulamentos que tinham que ser seguidos por essas agremiações.
Segundo a publicação, em 1962 os órgãos de turismo fecharam parte da avenida Rio Branco e instalaram arquibancadas em frente à Biblioteca Nacional e cobraram ingressos para o desfile das Escolas de Samba. Ainda segundo o livro, em 1970, a pretexto de acabar com os atrasos, esses órgãos limitaram o tempo de desfile de cada escola. Nesse mesmo ano, a televisão, que antes tomava apenas algumas cenas do desfile, passou a transmiti-lo integralmente.
Em novembro de 1975, as 44 Escolas de Samba assinaram um contrato de prestação de serviços que as obrigava a participar de todas as atividades programadas pela Riotur mediante a remuneração que era dividida entre os participantes. As agremiações recebiam 28% da renda do espetáculo, a Associação das Escolas de Samba, 12% e a Riotur, 60%. Em 1984, o governador Leonel Brizola criou o Sambódromo e tirou as Escolas de Samba das ruas.
Durante o século XX, continuou haver na cidade outras manifestações de folia, como os afoxés, e surgiram outros, como os blocos de embalo e de empolgação, que muita gente entende hoje como bloco de carnaval de rua, como o Carmelitas e o Cacique de Ramos.
Podemos ver então, como o poder público e a imprensa podem interferir, ajudar e prejudicar de diversas formas o Carnaval de rua carioca. Eles podem simplesmente reprimir, como o ocorreu com o Entrudo. Ignorar, como houve com as Sociedades Carnavalescas. E oficializar, o que pode ajudar a suprimir, no caso dos Ranchos, ou capitalizar, como foi o caso das Escolas de Samba. Resta saber qual vai ser o caso dos blocos de carnaval de rua do Rio de Janeiro.
* todas as imagens são do Debret ou são fotos tiradas da internet;