sábado, 26 de janeiro de 2013

O PSD e o novo partido de Marina Silva

O PSD começa a mostrar que será um aliado com potencial para dar trabalho ao governo federal. O partido busca artifícios jurídicos para assegurar a indicação de Guilherme Afif Domingos para a vaga de ministro, provavelmente da futura pasta da Micro e Pequena Empresa, que ainda precisa ser aprovada pelo Senado. O grande problema é que Afif é o atual vice-governador de São Paulo e o partido pretende que ele acumule as duas funções ao longo dos próximos dois anos. A informação é dessa matéria do Correio Braziliense aqui.

Esse PSD é uma das paradas mais loucas que surgiu na política do Brasil nos últimos anos, pelo que ando acompanhando na mídia. O partido surgiu do nada e mesmo com vários indícios de fraude (1, 23 e 4), teve o registro liberado pelo TSE. Quase que imediatamente, vários políticos insatisfeitos com a antiga legenda, seja por rinhas internas ou porque os caciques das ex-siglas (muito engessadas) estavam embarreirando a escalada de poder deles ou seja qual for o motivo, migraram para o PSD, o que deixou o partido com um tamanho considerável (em número de vereadores, deputados estaduais e federais e até senadores), apesar de ter sido recém-criado. Logo, ele conseguiu tempo na televisão e no rádio para poder disputar as eleições e participação no fundo partidário, o que não ocorria antes para partidos novos.

[caption id="attachment_709" align="aligncenter" width="300"]Brasília - O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, fala com a imprensa após encontro com a presidenta Dilma Rousseff no Palácio do Planalto O ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que articulou a criação do PSD. (crédito: José Cruz/ABr)[/caption]

Esses entendimentos, que foram favoráveis ao PSD podem, no entanto, mudar de novo. Como apontou uma matéria recentemente veiculada no Valor Econômico sobre o PEN, o partido que Marina Silva quer formar:
"A maior dificuldade da Marina não será colher as assinaturas. Mas atrair filiados caso não tenha acesso à fatia maior do tempo de TV e do fundo partidário. Há um movimento forte no Congresso para não se permitir o que aconteceu com o PSD. E esse movimento tem tudo para dar certo", afirma Carlos Siqueira, primeiro-secretário do PSB, partido liderado por outro presidenciável, o governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Siqueira refere-se ao projeto do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). A proposta proíbe que a bancada recém-cooptada por um novo partido na Câmara seja utilizada como critério para o rateio proporcional do tempo de rádio e TV e dos recursos do fundo partidário. É algo já previsto na legislação, mas que recebeu outra interpretação, em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao PSD. O objetivo agora é explicitar a regra, fechando a brecha aberta pelo STF. "Quem tem que legislar é o Congresso Nacional. Com esta lei, fica mais claro. O deputado é eleito com a ajuda do partido. Ele pode até criar outra legenda, mas não vai levar o tempo de rádio, de TV, nem recursos do fundo. Isso dá segurança institucional e jurídica [ao partido pelo qual foi eleito]", defende Edinho Araújo".

Mas como é isso? Como pode as regras do jogo ficarem mudando o tempo todo a favor de uma ou contra outra pessoa? Segundo a mesma matéria do Correio, o deputado nega que as regras mudariam para prejudicar Marina:
O deputado nega que a proposta tenha sido criada com o objetivo de prejudicar a candidatura presidencial de Marina Silva. "Quando propus, não pensei em ser contra ninguém individualmente. A dificuldade será geral", prevê. Caso a lei seja aprovada, o partido de Marina terá direito de participar apenas da distribuição igualitária do tempo de TV (um terço dele dividido entre todos os candidatos) e de 5% do fundo partidário.

Esses 5% do fundo partidário são os mesmos que o PSD teria direito inicialmente. Como diz essa matéria da Veja, na época das discussões sobre como ia ficar o fundo partidário para o partido:
"O que está sendo discutido no TSE é se, como foi criado no ano passado e não elegeu bancada federal em 2010, o partido de Kassab tem ou não direito ao dinheiro do fundo e ao tempo no horário eleitoral. Se o TSE seguir a orientação do Ministério Público Eleitoral, que defende que a contagem deve ser feita na eleição, o pedido do PSD será inviabilizado, já que teve as adesões de deputados federais apenas em 2011. E o PSD terá fatia mínima do bolo do fundo partidário, similar à de legendas “nanicas” sem representação na Câmara dos Deputados, de apenas 42.524,29 reais do fundo partidário por mês".

Com a liberação pelo TSE, parece que o PSD conseguiu R$ 7 milhões do fundo partidário em 2012 e deve conseguir R$ 14 milhões em 2013. Com todo esse apoio de várias esferas do governo, o PSD se tornou a quarta maior força política do País nas eleições do ano passado, segundo essa matéria da Veja. Conseguiu ainda o governo de Santa Catarina e do Amazonas e 107 deputados estaduais, além de dois senadores e 47 deputados federais. Já chamam o PSD de "estratégico" para as eleições presidenciais de 2014 e querem colocar o Afif em um ministério, que ainda deverá ser criado, como está escrito no início desse post.

Acho meio estranho pra caralho um partido conseguir tanto poder em tão pouco tempo. E acho meio perigoso um partido recém-criado, que não é nem de esquerda, direita ou centro (o que no meu entendimento significa: "só quero estar no poder, quero só ser uma máquina eleitoral") propor uma nova constituinte, que seria realizada em 2014. O que esses caras, que são de um partido que não possuem ideologia, iriam propor? Política é um jogo que é jogado a base da canetada. É uma parada estranha, em que as regras e os jogadores mudam o tempo todo durante o jogo, ao que parece, pra favorecer uns ou prejudicar outros. Em outro post falo mais do PSD.

* Mais sobre o PSD aqui.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Vozoteca em São Paulo



"O jornalista Luiz Ernesto Kawall explica como teve a ideia de criar uma vozoteca com variados registros sonoros em sua própria casa, em São Paulo. O acervo será doado para um instituto vinculado à USP (Universidade de São Paulo). Kawall possui depoimentos, discursos, canções antiga e outros tipos de áudios raros de personalidades como Getúlio Vargas, Fidel Castro, Alberto Santos Dumont, Carmen Miranda, Adolf Hitler e Monteiro Lobato, entre outros."

Reportagem: Márcio Padrão, do BOL
Imagens e edição: David Goldberg

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A história da relação entre o carnaval e o poder público

* Esse texto foi feito para a disciplina Projetos Experimentais 4, da Estácio de Sá, Curso de Comunicação Social – Jornalismo. Ele é a continuação do post anterior; Para ver o trabalho completo e diagramado é só clicar aqui;

Sobre a origem do carnaval
No ano de 604, o papa Gregório I determinou que os fiéis deveriam deixar de lado a vida cotidiana para se dedicar à vida espiritual durante 40 dias ao ano, como fez Jesus em sua peregrinação do deserto. Criou-se assim a Quaresma, em que o consumo de carne vermelha era proibido e a abstinência, o comedimento e a temperança eram incentivados. Em 1091 o papa Urbano II decretou a data oficial do período, que começaria com a Quarta-Feira de Cinzas e duraria até o domingo de Páscoa.

Na véspera da Quarta-Feira de Cinzas, as pessoas então começaram a se esbaldar nas carnes que não poderiam comer durante a quaresma. Faziam isso com festas, cantando, dançando e bebendo. Na Itália esse período era chamado de dias da “carne vale” ou do “carnevale”. Assim, nessa época as pessoas tomavam as ruas fazendo tudo que não podiam fazer durante a quaresma. Felipe Ferreira no livro O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro diz que as pessoas brincavam essas festas cada um a sua maneira.

Nesse primeiro momento, o Carnaval não é uma festa diferente das outras que aconteciam durante o ano, com seus excessos e descontroles. O que dava o caráter especial ao Carnaval, o que o distinguia das outras festividades, era a grande concentração de brincadeiras num mesmo período, a proximidade com a longa abstinência da Quaresma e o fato de a coisa toda ter dia e hora marcados para acabar, pois à meia-noite da Terça-feira Gorda – ou seja, ao primeiro minuto da Quarta-feira de Cinzas – tudo terminava e o mundo parecia reencontrar seu eixo”, escreveu Ferreira. A pesquisadora Martine Grimberg definiu no livro Carnavals et masquerades que “o Carnaval, antes de ser uma festa, é uma data”. A igreja, apesar de preocupada com os excessos da população nesse período, aceitava essas liberdades em troca delas seguirem a temperança da quaresma.

Ainda segundo Ferreira, a maioria das brincadeiras dessas pessoas contava com pessoas mascaradas e fantasiadas, como nas festas pagãs. Por volta do séc. XII estudiosos e pesquisadores começaram a escrever peças teatrais e contos humorísticos da briga entre o Senhor Carnaval, que tem os mais pobres ao seu lado, e a Dona Quaresma, que conta com o apoio dos ricos, grandes proprietários e da igreja. Ao longo do tempo, o Carnaval foi assumindo uma posição cada vez mais libertina e a Quaresma ficando mais magra e ossuda. De certa forma, é essa briga entre a libertinagem e a disciplina, que vai se estender por toda a história do Carnaval.

Em cada cidade, haviam grupos carnavalescos reunidos por idade, profissão ou interesses na folia. Essas turmas passaram a se chamar de sociedades alegres e se tornaram o padrão do carnaval da Idade Média. Cada vez mais organizados, passaram a cobrar taxas para organizar o desfile. Parte dessas taxas eram repassadas ao governo das cidades, que passaram a dar o aval oficial a essas festas. Em 1475, na Alemanha, ocorre o primeiro desfile de um carro alegórico que se tem notícia.

Durante a Renascença os nobres começaram a participar mais ativamente do Carnaval, financiando os desfiles e compondo versos para serem cantados pelos foliões. Eles vestiam luxuosas fantasias e saiam em grupos, como a Brigada dos Galés ou a Brigada das Flores. Até artistas como Michelangelo participaram do Carnaval executando as alegorias pensadas pelos nobres.

Depois do Renascimento, as festas foram ficando cada vez mais comerciais. As cidades tinha interesse em atrair os visitantes que queriam participar das comemorações. Bailes cada vez mais suntuosos são organizados para refletir o luxo das cortes européias e o Carnaval foi se tornando cada vez mais ritualizado e menos espontâneo. Bailes de máscaras, leituras de poesias e duelos se tornaram o Carnaval “oficial”. A festa de rua continuava a mesma bagunça, chegando a ser violenta. Segundo Ferreira, entre 1741 e 1763 o povo rechaçou a pedradas as cavalgadas e bailes de máscaras da nobreza da cidade francesa Salonde-Provence. Mas não era sempre assim. Em algumas cidades o povo se unia a nobreza para realizar os desfiles, até mesmo com a participação de africanos que acompanhavam o cortejo tocando tambores. Foi nessa dicotomia, entre o popular e o elitismo que o Carnaval foi se transformando ao longo do tempo.

O começo do Carnaval no Brasil
No Brasil, o Carnaval era como o de Portugal e consistia em diversas festas populares. Havia a folia-de-reis, procissão com caráter religioso, e os entrudos, que eram brigas de água, pó, cinzas, perfumes e todos os tipos de líquidos, além de brincadeiras como servir sopa cheia de pimenta, colar uma moeda no chão para as pessoas tentarem pegá-la em vão ou bezuntar escadas e maçanetas com líquidos escorregadios. Havia também queima de bonecos na véspera da Quarta-feira de Cinzas. Há relatos que havia entrudo em terras brasileiras já em 1553.

A maioria dos jogos de entrudo consistia basicamente em brigas de líquidos, pós e limões-de-cheiro (espécie de bola de cera recheada com líquidos). Havia os entrudos “familiares” praticados de dentro das casas pela elite econômica e os “populares”, feito pelas pessoas mais pobres e pelos escravos. Só os patriarcas das famílias eram poupados da bagunça. Havia também uma hierarquia a ser obedecida. Escravos não podiam jogar líquidos contra seus patrões, assim como escravos menos influentes não podiam tacar coisas contra os mais influentes. O contrário era permitido. Os jovens também aproveitavam os períodos de entrudo para o flerte menos formal, tocando os ombros e até o colo (ousadia das ousadias) das moças, como diz Machado de Assis no conto Um Dia de Entrudo.

Durante os “entrudos populares” os escravos jogavam qualquer coisa que tinham em mãos, inclusive urina e fezes, que carregavam para serem jogadas no mar. Alguns praticavam o ofício de fazer limões-de-cheiro e assim, ganhar algum trocado.

A chegada da Família Real muda o Carnaval brasileiro
De acordo com estudiosos, antes da vinda da Família Real portuguesa para terras brasileiras, os escravos africanos faziam suas festas e cerimônias para celebrar sua cultura e seus deuses junto com o restante da sociedade, que também tinha a suas procissões na época do Natal. Essas festas eram chamadas de “Festa de Congos” ou “Congadas”.

Mas com a chegada da realeza, em 1808, esses escravos foram proibidos de continuar com seus desfiles no Campo de Santana e em qualquer rua do Centro da cidade. Segundo as autoridades da corte, não ficava bem para a cidade que era a capital do reino português a reunião de milhares de negros promovendo “algazarra”, mas, na realidade, elas temiam que os negros acabassem se unindo contra o regime da escravidão.

entrudo

Restaram então aos negros, escravos e libertos, aproveitarem a confusão dos dias de folia para promoverem as cerimônias de coroação de seus reis e os desfiles de séquitos reais africanos pelas ruas do centro da cidade. Assim, todos os povos de origem africana (angolas, congos, moçambiques, gêges, iorubás, cabindas) promoviam o desfile de seus próprios reis. Essas procissões partiam das igrejas de cada irmandade e seguiam para o palácio do governo, na atual Praça XV, passando pela rua do Ouvidor.

No começo do século XIX, a sociedade influente se mobilizou pela imprensa e pela polícia contra os entrudos. Em 1831, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro fez um estudo para apontar os males do entrudo para a saúde pública. Em 1832, a Câmara Municipal de Cidade de Desterro (atual Florianópolis) publicou um ofício que proibia o jogo de entrudo nos limites do município. Quem participasse do jogo levaria uma multa, se fosse cidadão, ou levaria 50 açoites, se fosse escravo. Dentro das casas, no entanto, a brincadeira familiar continuava permitida.

Apesar das proibições, das ameaças e das campanhas, o governo não conseguiu evitar que as pessoas fossem para as ruas brincar de entrudo. A alternativa para a algazarra veio com a burguesia, que importou o Carnaval elitista praticado na Europa, mais especificamente o da França. Assim, chegou o baile de máscaras chegava ao Brasil. Isso ocorreu por volta de 1840.

Como conta Felipe Ferreira, os bailes eram eventos sofisticados com regras rígidas de comportamento. Orquestras eram responsáveis pelas músicas. Era a oportunidade perfeita para os “novos ricos” se exibirem diante de toda a sociedade. Começaram a surgir lojas de fantasias. Aos poucos, como aconteceu na Europa, o termo “Carnaval” foi sendo usado pela imprensa para designar somente os bailes nos salões, enquanto “Entrudo” era a baderna na rua.

entrudo - debret

Esses alegres eventos foram as primeiras tentativas que a elite brasileira faria para substituir a brincadeira do Entrudo, considerada antiga e grosseira, por uma festa mais galante e adequada à nova posição que o Brasil pretendia ocupar entre as nações do mundo civilizado”, escreveu Ferreira.

Em 1855, foi criado o Congresso das Sumidades Carnavalescas que basicamente consistia em um desfile de nobres que iam de baile em baile para brigar usando “buquê de flores” e “confetes” com quem estava nessas festas. Era a ocupação da elite das ruas da cidade durante o Carnaval. De acordo com jornal Correio Mercantil, isso seria uma espécie de educação das massas sobre o que realmente era o período carnavalesco.

O uso de máscaras em lugares públicos, no entanto, era proibido por questões de segurança. Mas isso não impediu o desfile do Congresso. No ano seguinte, duas novas 'sociedades carnavalescas' desfilaram pelas ruas da cidade: O Clube Carnavalesco e a Sociedade Carnavalesca União Veneziana. Depois, várias outras cidades brasileiras ao longo dos anos tiveram suas próprias agremiações desse tipo. Aos poucos, elas ganharam seu espaço no Carnaval e o Entrudo foi perdendo a força, mas ainda estava presente e era alvo de reclamação.

Segundo o livro Rancho - Estilo e Época, “Neste ano (1885), a imprensa, liderada pelo jornal 'O Paiz', dava ressonância aos reclamas de camadas sociais influentes e abria campanha contra o entrudo. A polícia o reprime, e põe fim ao arremesso de baldes d'água, limões-de-cheiro e farinha de trigo sobre passantes, nos dias de carnaval”. Hoje em dia, a briga da imprensa contra o Carnaval consiste em atender a reclamação de moradores quanto ao trânsito caótico e foliões fazendo xixi nas ruas.

A volta da popularização do Carnaval
A classe-média começou a imitar os desfiles da elite e as sociedades carnavalescas se multiplicaram. Os mais pobres e os negros também se identificaram com os desfiles, pois eles tinham suas procissões religiosas, na qual usavam fantasias. Por causa disso, ocorreram brigas pelas vias do Centro da cidade, onde haviam os desfiles. Como ocorre hoje, várias agremiações queriam sair nos mesmos lugares e no mesmos horários, o que causava extrema balbúrdia. A imprensa começou a sugerir dicas de organização de passeio, mas o poder público nada fazia. As autoridades resumiam as suas atividades em reprimir o Entrudo.

As sociedades carnavalescas passaram a fazer uso de carros alegóricos puxados por cavalos. Para se destacar de outras sociedades, em 1875, os Tenentes do Diabo desfilaram com 253 carros. Como se pode ver, essa competição entre as sociedades complicava ainda mais o Carnaval, que havia se sofisticado para ser menos bagunçado. De olho nos lucros, os comerciantes, ao contrário de hoje em dia, brigavam pelo direito de suas ruas sediarem desfiles. Eles inclusive ornamentavam as ruas para atrair as sociedades carnavalescas. Hoje, a arrumação cabe somente ao poder público, ou pela empresa que quer patrocinar o Carnaval. Seria interessante se a prefeitura incentivasse que a própria sociedade civil se organizasse para enfeitar as suas ruas para a folia.

sociedade - tenentes fenicianos

Depois da passagem da última sociedade, começava a debandada [das ruas]. Enchiam-se os teatros e os salões das sociedades e o regresso aos lares longíquos tornava-se um problema. Os bondes subiam com gente até a tolda, e o desfile a pé por essas ruas era lento”, escreveu Coelho Neto na Revista Ilustrada de 18 de fevereiro em 1888. Bem parecido com o que ocorre hoje em dia, quando os transportes públicos ficam lotados. No Carnaval de 2010, a estação do metrô da General Osório, em Ipanema, fechou as portas por algumas horas por causa do excesso de passageiros.

Com a bagunça cada vez maior do Carnaval no final do século XIX, o entrudo ganhou força novamente. Os negros, agora libertos, também tinham maior liberdade de se expressar (mas a polícia ainda reprimia algumas de suas manifestações culturais). A elite quis mudar então o local dos desfiles, do Centro para Botafogo, que era longe dos desfiles populares. Mas não teve sucesso. A folia carioca ficava cada vez mais popular. Algumas sociedades carnavalescas, como o Clube Democráticos, chegaram a ameaçar não desfilar por causa da confusão. Ameaça esta que não foi cumprida. Pelo menos não imediatamente. Aos poucos, com a popularização do Carnaval, essas agremiações foram desaparecendo da folia, mas não antes de desfilarem na av. Central (hoje av. Rio Branco) sob olhares de populares em palanques que eram construídos temporariamente para o Carnaval, numa espécie de pré-Sambódromo.

Para piorar o quadro, surgiram os ‘Zé Pereiras’. A origem dessa manifestação foi com um português, José Nogueira, que desfilou pelas ruas do Rio batendo um grande bumbo. Diz-se que essa prática já ocorria em Portugal. Outros foliões começaram a imitar o lusitano e logo a cidade estava cheia de Zé Pereiras. Nessa mesma época, os chamados ranchos ganharam força.

As festas negras ganham força
Como diz o livro Rancho - Estilo e Época, “Situar a origem dos ranchos, no tempo e espaço, é correr o risco da imprecisão, mas a maior parte das informações disponíveis aponta como berço o atual Morro da Conceição no bairro da Saúde. Ali, na localidade conhecida como Pedra do Sal, reuniam-se pretos e mulatos baianos, depois do trabalho na estiva, para reviverem seus cantos, suas histórias, danças, ritos e outros traços da cultura baiana, resultante de um largo processo de sincretismo afro-ameríndio”.

congadas - debret

De acordo com a publicação, os ranchos por serem uma espécie de continuidade dos pastoris (manifestação religiosa mais primitiva), tinham influência totêmica em seus nomes (Flor do Abacate, Recreio das Flores, Rouxinol, Flor da Lira, Lírio Clube, Recreio do Jacaré), nas cores, nas danças negras e em seus símbolos (que eram desenhos de animais e plantas). Eram manifestações inicialmente mais simples, ao contrário das sociedades carnavalescas, que eram mais sofisticadas.

Em todo desfile dos ranchos, as Tias (como a famosa Tia Ciata) eram homenageadas pelos negros. Era na casa delas que eles faziam suas festas, seus sambas, que eram proibidos pela polícia. Com o tempo, os ranchos se sofisticaram e passaram a ser aceitos pela sociedade. Faziam desfiles pela av. Central e passaram a entrar oficialmente no calendário da folia carioca. Ao competir por melhores desfiles, os organizadores dos ranchos passaram a recorrer aos artistas da sociedade. Pintores famosos executavam trabalhos nos carros alegóricos dos ranchos, como Michelangelo fez muito tempo atrás.

Por causa dessa profissionalização do desfile, a imprensa passou a apoiar os seus desfiles e realizar concursos de melhor alegoria, enredo, dentre outras categorias. Segundo o sambista Nei Lopes, no livro O Samba na realidade..., explica que o rancho carnavalesco Ameno Rosedá (1907-1941) foi “quem primeiro levou o carnaval-espetáculo às últimas consequências, pois nasceu para representar ‘óperas ambulantes’, inclusive com coro e orquestra, buscando para tanto a contribuição da fina flor dos artistas e intelectuais da época, por pretender deliberadamente (e numa clara busca de ascensão social por parte da maioria de negros e mulatos que o compunham) uma ruptura com as tradições populares”.

Com a urbanização do Centro da cidade no começo do século XX, os ranchos sofreram um duro impacto, pois muitos negros tiveram suas casas demolidas para a construção da futura avenida Presidente Vargas. Assim, alguns ranchos perderam parte de suas raízes e laços familiares. Mas, com o aval do poder público, essas agremiações, como as ‘sociedades carnavalescas’ passaram também a desfilar na av. Central. Isso foi o início de seu fim.

De acordo com o livro Ranchos, estilo e época, “o que contribuiu para a lenta descaracterização e gradual perda de prestígio popular foi a oficialização dos desfiles. Os ranchos, além da contribuição dos sócios, passavam o livro de ouro entre comerciantes e populares, arrecadando dinheiro para investir na confecção e armação de seus desfiles. A oficialização inibiu esse recurso, já que o poder público acenou com apoio financeiro, que nem sempre chegava, devido a entraves burocráticos”.

Como foi lembrado por Eneida de Moraes no livro História do Carnaval Carioca, o presidente do rancho ‘Aliados de Quintino’, Radamés D’Ávila, em entrevista aos jornais, em 1957, disse que “a subvenção que a prefeitura dá aos ranchos, mas que é paga no Carnaval do ano seguinte, mal chega de ano para ano, para as despesas com os ensaios e o desfile no dia do certame”.

O fundador dos Decididos de Quintino, Waldemar Pereira, disse ao Jornal do Brasil em 04/02/78: “Rancho acabou quando começou a oficialização. Antes havia o Livro de Ouro, quem financiavam eram o povo e os comerciantes”. Ele explicou também que o Carnaval era divertimento das famílias e das comunidades. O primeiro desfile dos ranchos, no domingo de carnaval, ocorria nos bairros que surgiram, e no dia seguinte, na avenida.

ranchos

Por volta de meados do séc. XX, cada vez mais pomposos, os ranchos começaram a perder lugar para as escolas de samba, que na época eram agremiações carnavalescas mais simples. Um dos poucos ranchos que ainda desfilam hoje é o ‘Flor do Sereno’ em Laranjeiras, criado para resgatar essa tradição do carnaval carioca.

Assim diz Nei Lopes, citando Francisco Duarte, sobre a Deixa Falar (que depois viria a se tornar a Escola de Samba da Estácio): “No chão, o Bloco Carnavalesco Deixa Falar tomava formação de um rancho, com origem nos sujos ou embaixadas de então. Se os sujos eram a desordem e a briga, e o rancho o máximo em dança e coreografia disciplinada, o novo tipo de sociedade negra valeu-se de três elementos intermediários para alterar esse quadro de extremos: a dança espontânea, o canto das baianas e a nova harmonia dos sambas criados no Estácio. Com a dança espontânea e desinibida dos sambas de roda, mistura da improvisação dos lundus e sambas de umbigada com passos dos batuqueiros, eles se contrapunham à coreografia rígida dos ranchos e davam mais mobilidade ao desfile. O canto das baianas substituía o coro das pastoras, sustentando os estribilhos dos sambas de partidoalto enquanto os tiradores ou improvisadores aguentavam no gogó o canto para a harmonia do desfile”.

Esse tipo de agremiação passou a atrair atenção da mídia, que organizou concursos. Depois, com a profissionalização cada vez maior, os terreiros deram lugar à quadra de escola de samba. Os sambistas começam então a flertar com as classes mais favorecidas e com o Estado, criando sambas-enredo com temas nacionais e ufanistas, conforme o gosto dessas elites. Isso interessava ao povo do samba, pois com o aval do governo, a polícia parou de persegui-los. Órgãos do governo passaram a organizar os desfiles e os concursos, ditando os regulamentos que tinham que ser seguidos por essas agremiações.

Segundo a publicação, em 1962 os órgãos de turismo fecharam parte da avenida Rio Branco e instalaram arquibancadas em frente à Biblioteca Nacional e cobraram ingressos para o desfile das Escolas de Samba. Ainda segundo o livro, em 1970, a pretexto de acabar com os atrasos, esses órgãos limitaram o tempo de desfile de cada escola. Nesse mesmo ano, a televisão, que antes tomava apenas algumas cenas do desfile, passou a transmiti-lo integralmente.

Em novembro de 1975, as 44 Escolas de Samba assinaram um contrato de prestação de serviços que as obrigava a participar de todas as atividades programadas pela Riotur mediante a remuneração que era dividida entre os participantes. As agremiações recebiam 28% da renda do espetáculo, a Associação das Escolas de Samba, 12% e a Riotur, 60%. Em 1984, o governador Leonel Brizola criou o Sambódromo e tirou as Escolas de Samba das ruas.

Durante o século XX, continuou haver na cidade outras manifestações de folia, como os afoxés, e surgiram outros, como os blocos de embalo e de empolgação, que muita gente entende hoje como bloco de carnaval de rua, como o Carmelitas e o Cacique de Ramos.

Podemos ver então, como o poder público e a imprensa podem interferir, ajudar e prejudicar de diversas formas o Carnaval de rua carioca. Eles podem simplesmente reprimir, como o ocorreu com o Entrudo. Ignorar, como houve com as Sociedades Carnavalescas. E oficializar, o que pode ajudar a suprimir, no caso dos Ranchos, ou capitalizar, como foi o caso das Escolas de Samba. Resta saber qual vai ser o caso dos blocos de carnaval de rua do Rio de Janeiro.

* todas as imagens são do Debret ou são fotos tiradas da internet;

O choque de ordem e o carnaval de rua carioca

[caption id="attachment_638" align="aligncenter" width="500"]Crédito: Sandra de Souza / Flickr Crédito: Sandra de Souza / Flickr[/caption]

Como ocorreu pelo menos três vezes na história do Rio de Janeiro, o poder público está participando mais ativamente do carnaval de rua da cidade. A cada ano que passa, cresce cada vez mais o número de blocos de carnaval, assim como o de foliões. Isso aumenta a desorganização da cidade, com denúncias de roubos, bagunça, sujeira e xixi na rua, o que revolta os moradores que não curtem o período carnavalesco. Com a escolha do Rio como um dos lugares que vai sediar a Copa do Mundo de 2014 e a cidade-sede das Olimpíadas de 2016, a prefeitura passou a querer organizar o carnaval carioca e dotar o município de uma melhor infraestrutura para receber os blocos de rua.

Essa reorganização do espaço público vinha ocorrendo primeiro em outras esferas sociais da cidade, como nos chamados “choques de ordem”, que até ganhou uma Secretaria Municipal própria. Com os “choques de ordem”, moradores de rua são recolhidos para abrigos, materiais ilegais vendidos nas ruas são apreendidos, publicidade irregular é retirada e guardadores de carro sem licença são presos.

No carnaval de 2010, o “choque de ordem” consistiu em prender quem urinava na rua (reclamação constante de associações de moradores e de comerciantes), cadastrar todos os ambulantes que queriam vender cerveja e água durante o carnaval (e apreender o produto daqueles que não estavam cadastrados) e ordenar o horário e o local que os blocos de carnaval iriam sair, para que não houvesse desfile simultâneo, e assim, não tumultuando o trânsito. Como explicou secretário Especial de Turismo e presidente da Riotur, Antonio Pedro Figueira de Mello, no evento Desenrolando a Serpentina - organizado em agosto pela Sebastiana (Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro), que reúne alguns dos mais tradicionais blocos de carnaval de rua do Rio – até 2009, a ação da prefeitura para o carnaval era conceder, pelas subprefeituras, o “nada opor” (documento que permite algum evento acontecer em área pública) e colocar banheiros químicos nas ruas no percurso dos blocos de carnaval.

[caption id="attachment_641" align="aligncenter" width="661"]Crédito: G1 Crédito: G1[/caption]

Não fazia sentido pra mim como presidente da Riotur administrar o carnaval de rua da maneira como ele vinha crescendo, ou seja, só com a colocação de banheiros químicos. A gente ficava sabendo onde o Suvaco de Cristo saia. O Cordão do Boitatá a gente tinha conhecimento do percurso, assim como a Banda de Ipanema, mas vários outros blocos a gente não sabia onde eles estavam. Esse mapeamento foi fundamental para que pela primeira vez a gente colocar infraestrutura na cidade”, disse ele.

O primeiro ato tomado por essa nova gestão da prefeitura no sentido de ordenar o carnaval foi baixar o chamado “decreto dos blocos”, em maio de 2009, que determinou o tempo máximo que um bloco pode ficar na concentração e desfilar e que ele tem que pagar direitos autorais ao ECAD (Escritório Central de Arrecadação), dentre outras coisas, pois caso contrário, poderão ter o pedido de desfile indeferido no ano seguinte. Apesar disso, “não teve nenhum bloco que a Riotur chegou e disse ‘você não vai poder sair’. Nenhum. O que a gente fez foi organizar os desfiles”, frisou o secretário.

Eles também tem que fazer o cadastramento de todos as agremiações que queriam sair no carnaval do Rio. “Nesse momento, muitos acharam que era uma ação repressora da prefeitura, que ela queria intervir na vida dos blocos. A prefeitura tinha que ter um raio-x desse carnaval para entendê-lo. Quase 99,9% dos blocos se cadastraram. Isso foi importante para a gente saber onde íamos colocar os nossos serviços e orientar a Comlurb, Cet-Rio, Guarda Municipal”, afirmou Antônio Pedro.

Com isso estabelecido, a cidade adotou para o carnaval o “caderno de encargos”, normalmente usado para o Reveillón. Com esse caderno de encargos, a empresa ganhadora de uma licitação ganha a permissão de patrocinar algum evento em troca de dotá-lo de infraestrutura como banheiros públicos, atendimento médico (como ambulâncias), controle de comércio ambulante, programação visual (de filipetas e site turístico) e decoração visual com motivos carnavalescos da avenida Rio Branco. Segundo Antônio Pedro, só com esse caderno de encargos, a prefeitura conseguiu economizar R$ 5 milhões em 2010.

Foi criado então uma Coordenadoria de Blocos de Carnaval com 40 funcionários espalhados em toda a cidade acompanhando a festa de rua para saber se o caderno de encargos está sendo cumprido e assessorar os blocos e a cidade. “Era muito mais fácil deixar na mão da subprefeitura que vai ali e dá o ‘nada opor’ a quem quiser, mas eu tinha grande medo que o carnaval de rua acabasse por causa de alguma briga. A ideia foi dar o máximo de conforto para os foliões, os não-foliões e os turistas”, disse o secretário.

De acordo com a estatísticas da Riotur, em 2010 foram 465 blocos de rua realizando 670 desfiles que juntaram 2,491 milhões de foliões, sendo que cerca de 800 mil eram turistas estrangeiros e de outras cidades do Brasil. Para o ano que vem, o patrocinador vai ter que dotar a cidade de uma infraestrutura ainda maior. Segundo o caderno de encargos do carnaval de 2011, a quantidades mínimas de 6.400 banheiros químicos (o dobro em relação a esse ano); 800 diárias de controladores de tráfego (300 a mais que em 2010); 50 faixas e 250 galhardetes de sinalização de trânsito; 80 diárias de UTI móvel e a publicação de um guia com o roteiro dos blocos com tiragem mínima de um milhão de exemplares (o dobro do exigido anteriormente). Além da avenida Rio Branco, a avenida Princesa Isabel também será decorada com motivos carnavalescos.

Fora dotar a cidade com maior infraestrutura, através do caderno de encargos, outra mudança para o carnaval do ano que vem foi o veto da prefeitura ao desfile de blocos de carnaval na rua Dias Ferreira, atendendo a reclamações de moradores do local.

Este ano ela ficou completamente interditada pois dois blocos desfilaram ao mesmo tempo na via. Em um extremo dela estava o ‘Azeitona Sem Caroço’, que há 13 anos sai no carnaval. No outro, o ‘Sapucapeto’, que desfilava pela primeira vez. Isso impediu completamente a circulação de moradores porque atraiu uma quantidade enorme de foliões (muito mais do que quando era apenas o Azeitona), causando nas palavras do presidente da Associação de Moradores e Proprietários de Prédios do Leblon, Augusto Boisson, “um apocalipse urinário”. Antonio Pedro, no entanto, disse que ainda há possibilidade de haver bloco na rua contanto que eles não passem pela rua General Venâncio Flores, pois ela liga o bairro à praia.
“Não teve nenhum bloco que a Riotur chegou e disse ‘você não vai poder sair’. Nenhum. O que a gente fez foi organizar os desfiles”, frisou o secretário.

Esse veto acaba com o percurso tradicional do ‘Azeitona Sem Caroço’, formado por amigos frequentadores do Bar Azeitona, na Dias Ferreira. Há 13 anos eles saem do bar, desfilam pela rua General Venâncio Flores, passam para a avenida Ataulfo de Paiva, depois seguem para a rua Bartolomeu Mitre e retornam para a rua Dias Ferreira, onde ocorre dispersão. Dessa forma, talvez o bloco tenha que ficar só na concentração. O ‘Sapucapeto’ é um bloco formado pelo sambista Leandro Sapucahy e pela estilista Isabela Capeto. Sua estréia ocorreu no Vivo Rio Summer e ele costuma fazer shows em eventos em lugares como o Jockey Club que são frequentados por artistas e famosos em geral e conta com discotecagem de Djs famosos como o DJ Marlboro. Ele se concentrou em frente à loja da estilista, Isabela Capeto, na Dias Ferreira.

[caption id="attachment_643" align="aligncenter" width="639"]Crédito: Philippe Machado / Flickr Crédito: Philippe Machado / Flickr [/caption]

Esse é um exemplo claro de como os novos blocos podem acabar interferindo no carnaval feito pelos antigos blocos da cidade se não houver uma organização maior da data e horário de desfile. O ‘Sapucapeto’ não pediu licença para desfilar em 2011, disse Alex Martins titular da Coordenadoria de Blocos, lembrando que o estabelecimento da estilista mudou de endereço este ano.

A proibição de desfilar na rua General Venâncio Flores e possivelmente na Dias Ferreira foi a segunda mudança de percurso imposta pela prefeitura em 2010 a um bloco. No começo do ano, o bloco do Afroreggae, que iria desfilar no domingo de carnaval na orla da Zona Sul, foi transferido para a Ilha do Governador pois já havia um desfile programado para aquele dia. O regente do grupo, Altair Martins disse ao jornal O Globo que não viu problemas na mudança. “Escolhemos um lugar pouco visto pela mídia, com alto índice de infestação do mosquito da dengue. A gente veio aqui trazer toda a energia do AfroReggae para conscientizar a população sobre esse problema”, afirmou.
Em 2010, foram 465 blocos de rua em 670 desfiles que juntaram 2,491 milhões de foliões. Cerca de 800 mil eram turistas estrangeiros e de outras cidades do Brasil.

Segundo o secretário de Turismo, outras mudanças como essa podem acontecer para distribuir a quantidade de blocos por toda a cidade, já que a maioria (73,29%) deles desfila hoje pela Zona Sul. Em segundo lugar, em número de desfiles, veio a Zona Norte (9,54%) Barra da Tijuca (7,33%), Zona Oeste (5,68%) e Tijuca e Centro (4,16%) de acordo com dados da Riotur.

Para mudar essa porcentagem, o então secretário especial de Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, disse ao Globo logo depois do carnaval de 2010 que, para melhor distribuir a quantidade de blocos pela cidade, poderia haver fusão de agremiações. Essa sugestão foi repudiada por Antônio Pedro e por Rita Fernandes, presidente da Sebastiana. “Fusão de blocos, nem pensar. O Bethlem trata de ordem pública. Fusão, só se os blocos quiserem. A prefeitura não vai interferir”, afirmou Antonio Pedro. “Fusão de bloco não existe. Eles são autônomos, têm identidade. Pode haver redistribuição geográfica”, concordou Rita Fernandes.

Essa redistribuição geográfica, no entanto, não vale para todos. Muitos blocos têm uma ligação com o lugar que desfilam, como o ‘Nem Muda Nem Sai de Cima’, que sai no bairro da Muda, na Zona Norte, formado por frequentadores do bar Dona Maria (também na Muda) e atrai bambas do samba como Aldir Blanc, Beth Carvalho e Moacyr Luz. Já outros, como o ‘Chora, Me Liga’, criado em 2010 e que desfilou no Leblon, não tem tradição nenhuma e, pela lógica que blocos antigos e tradicionais tem prioridade no desfile sobre os novos, pode ser transferido para qualquer parte do Rio. Esse bloco é formado pela dupla sertaneja goiana Guilherme & Santiago que também organizou o bloco ‘E daí?’ que desfilou na Barra da Tijuca e cuja “marchinha” foi adaptada para forró e axé. Pode causar estranheza um bloco de músicos sertanejos, mas há tempos a cidade do Rio abraça qualquer tipo de manifestação artística em seu carnaval.

Apesar dessa liberdade, alguns foliões e parte da imprensa reclamaram da “baianização” do carnaval carioca (enquanto na Bahia, a folia é feita em cima de trios elétricos e arregimentam multidões, no Rio, a maioria dos blocos desfila na rua) e o aumento da utilização da folia para capitalizar a própria carreira artística. Preta Gil lançou o bloco ‘A Noite Tá Preta’ onde cantou “axé music”. Carlinhos de Jesus desfilou com o ‘Dois pra Lá, Dois pra Cá’ e foi criticado elo uso das cordas que circulavam a banda e quem havia comprado a camisa do bloco (ou abadá, como lembraram alguns). O ‘Empurra que Pega’ também usou o mesmo artifício e o Cordão do Boitatá também tinha uma área reservada para quem havia comprado a sua camisa.

Essa prática de privatizar o espaço público com cordas não é nova no carnaval carioca. Durante o Desenrolando a Serpentina, uma foliã reclamou para Antônio Pedro sobre uso de cordas por famílias para reservar um espaço onde podem assistir o desfile do ‘Cordão do Bola Preta’ com suas famílias que ocorre há tempos. Ela explica que essa prática dificulta os foliões acompanharem o desfile do bloco. Antônio Pedro disse que os órgãos de fiscalização vão atuar para acabar com isso pois muitas pessoas lucram com tal prática, o que é proibido.

Outra fonte de conflito é entre a empresa ganhadora da licitação do caderno de encargos (que em 2010 foi uma cervejaria e em 2011 foi a mesma empresa e uma companhia bancária) e os blocos e seus patrocinadores (que também são cervejarias). A organizadora de um dos blocos de carnaval reclamou no Desenrolando que alguns patrocinadores reclamam de disputar espaço com a patrocinadora oficial do carnaval (que ganhou a licitação) o que pode ajudar a diminuir a verba para algumas agremiações e sufocar o carnaval. Representante da companhia cervejeira, no entanto, afirmou que ela continua patrocinando os blocos que já tinha parceria normalmente.

Os blocos também reclamam que a prefeitura os vê como parte de um ‘evento carnavalesco’ que ajuda a capitalizar a imagem da empresa no exterior. Eles querem acabar com essa visão e serem vistos como uma manifestação cultural. Um folião, da ‘Desliga dos Blocos’ (organização de blocos que são contra essas novas regras da prefeitura, pois consideram que a burocracia acaba com a espontaneidade do carnaval, o que consideram como a essência da folia) inclusive disse que a Secretaria de Cultura devia participar nesse ordenamento, não só a de Turismo.

[caption id="attachment_648" align="aligncenter" width="323"]Crédito: Bruno Pessoa / Flickr Crédito: Bruno Pessoa / Flickr[/caption]

O “choque de ordem” também acabou com algumas rodas de samba como as que ocorriam há seis anos na praça São Salvador, em Laranjeiras. Era a venda de cervejas para o público que ajudavam a bancar o desfile do ‘Bagunça Meu Coreto’. Isso ocorreu porque moradores da localidade reclamavam do barulho feito pelos sambistas. A prefeitura está no meio de um cabo-de-guerra entre moradores “do bem” e os foliões “baderneiros”. A corda ora pende para um lado, ora para outro. Se pender mais para os foliões, pode acabar dando o aval para a crescente bagunça da cidades e de dos Jogos Olímpicos de 2016 e da final da Copa do Mundo de 2014. Se pender para os moradores pode sufocar uma das manifestações culturais mais genuínas dos cariocas, como ocorreram diversas vezes na história do município.

* Esse texto foi feito como trabalho para a disciplina Projetos Experimentais 4, da Universidade Estácio de Sá, curso Comunicação Social - Jornalismo; No próximo post você pode ver a continuação deste texto; Para ver o trabalho completo e diagramado, é só clicar aqui;

* As fotos eu tirei daqui, daqui e daqui.