domingo, 17 de novembro de 2013

Palestra de Andrew Jennings sobre a Fifa

No final de outubro assisti uma palestra do jornalista escocês Andrew Jennings no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, no centro da cidade, sobre o modus operandi quase mafioso da Fifa. Jennings escreveu o livro Jogo Sujo, onde destrincha um pouco os negócios escusos da federação de futebol, CBF e afins. Ele estava na cidade para a 8a Conferência Global de Jornalismo Investigativo.

Cheguei atrasado e não assisti tudo. Perdi a participação de Carlos Vainer, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional/UFRJ (que falou sobre como as grandes corporações se instalam nos territórios através dos grandes eventos esportivos) e Gustavo Mehl, militante do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas (falou sobre a campanha contra a privatização do Maracanã e como a Copa do Mundo descaracterizará a torcida brasileira). Um dos pontos bacanas do debate foi quando perceberam dois funcionários da Fifa entre os ouvintes. Eles foram reconhecidos pelo próprio Andrew Jennings e, no final, rebateram algumas das acusações do jornalistas e deram a própria versão sobre o funcionamento da Fifa.

Segue o debate na íntegra, para quem quiser conferir:


Seguem algumas das coisas que rolaram na participação do Andrew Jennings que ainda me lembro.

Ele falou de como a Fifa é uma empresa privada, como se hierarquiza internamente - cerca de 50% dos funcionários sabem o que rola lá dentro e os outros 50% ignoram "as coisas erradas do lugar e só seguem com a própria vida e criam os próprios filhos" - e como alguns vão galgando as posições até chegarem ao topo do ranking da corporação. Falou sobre politicagem interna e a diretoria, composta pelos presidentes das 209 associadas, como a CBF, que mandam e desmandam em tudo.

Acima dessa diretoria está o presidente. Andrew Jennings falou como algumas das reportagens que ele fez ajudou a derrubar o Ricardo Teixeira (cliquem no Ricardo e no Teixeira para perceberem a diferença entre os artigos da Wikipedia em inglês e português), que era o mais provável substituto do Blatter. Ele falou que o nome de Teixeira não era unânime na cúpula. Acho que o Jennings deu a entender que as falcatruas do Teixeira foi soprada para ele por um dos desafetos do ex-dirigente da CBF.

O jornalista falou da vida de luxo de Blatter, que ganha, dentre outras coisas, um "ajuda de custo" de 500 euros por cada dia que passa fora da Suíça, onde fica a sede da Fifa, viajando. Essa ajuda de custo é quase um salário extra, porque Blatter viaja constantemente como forma de manter esse rendimento extra. São cerca 15 mil euros ou R$ 45 mil extras por mês. Ele falou de como a Fifa impõe uma série de investimentos aos países escolhidos para sediar uma Copa do Mundo. Investimentos pagos com o dinheiro do contribuinte daquela nação. Do ponto de vista exposto por Jennings, o modus operandi da Fifa é quase como uma Máfia, forçando governos públicos a realizarem investimentos que serão revertidos eventualmente para o lucro de uma empresa privada. Pelo que entendi, durante a palestra ele só sobrevoou alguns dos temas que abordou no livro.

Ele comentou como a Fifa consegue ultrapassar a soberania de algumas nações, como é o caso da Lei da Copa, que revogou a proibição de álcool nos estádios brasileiros de futebol. O jornalista também comentou a escolha do Catar para sediara  Copa do Mundo de 2022, o que ele considerou um erro por conta do calor registrado no País durante o verão. Hoje, a Fifa já considera mudar o calendário do campeonato para o inverno. Ele não falou nada, ou não sabia, sobre as acusações de trabalho escravo nas obras do Catar. Jennings lembrou das remoções forçadas da população de baixa renda para as obras da Copa do Mundo, como aconteceu na África do Sul, e do risco de elitização dos espectadores do torneio. Eu ia perguntar a ele a questão dos preços dos ingressos, que são mais baratos daqueles praticados na África do Sul, mas na hora não consegui ou achei pertinente perguntar outras coisas.

A platéia era toda composta de jornalistas, estudantes ou "engajados". Tinha gente com camisas do Comitê Popular da Copa do Mundo, um ex-colega de trabalho, gente com crianças e muito mais. Fiquei curioso para saber um pouco mais das tramóias da Fifa, mas também fiquei um pouco decepcionado. Pelo que Jennings falou, tudo lá rola em torno de dinheiro. Achei um pouco bobo. Fiquei curioso para saber se rolava alguma coisa a mais, se almejavam mais do que dinheiro e o que seria isso... mas comecei a viajar em forças ocultas e tudo mais e achei melhor ficar quieto. Só parece que esses caras da cúpula do futebol fazem um trabalho danado só para ganhar uma boa dinheirama. E nem é garantido conseguir essa renda toda no final. Se o negócio é só dinheiro, talvez fosse melhor se prestassem concurso para serviço público. Deve dar menos trabalho.

Andrew Jennings falou também do trabalho dele, de como é ajudado por alguns funcionários da própria Fifa preocupados com o futebol. Disse que uma dessas fontes, um fanático por futebol, não pensa em vir para o Brasil por conta dos altos preços dos hotéis e das passagens de avião, que atingirão patamares estratosféricos época da Copa. E o cara é um viciado em futebol. Tem tudo de futebol, conhece todas as estatísticas, vê os jogos mais obscuros e tudo mais. Essas fontes, além de municiar o escocês com informações internas, também divulgam alguns balanços e informações financeiras para ele.

No final, o jornalista conclamou o povo a ir protestar sem violência no pré-lançamento da Copa do Mundo, em São Paulo, há duas semanas do início oficial dos eventos. Ele disse e repetiu que não é para ninguém atuar com violência. Não é para revidar as agressões da polícia pois "a imprensa do mundo inteiro estará de olho no Brasil e ela poderá ver como é a atuação do Estado nessas manifestações". Ele também conclamou um boicote pacífico aos patrocinadores da Copa do Mundo (o McDonald's, o Itaú, etc).

[caption id="attachment_1028" align="aligncenter" width="800"]Brasília - O jornalista da British Broadcasting Corporation (BBC) de Londres, Andrew Jennings, autor do livro, Jogo Sujo - O Mundo Secreto da Fifa, durante audiência pública na Comissão de Educação do Senado, sobre as revelações feitas no livro Brasília - O jornalista da British Broadcasting Corporation (BBC) de Londres, Andrew Jennings, autor do livro, Jogo Sujo - O Mundo Secreto da Fifa, durante audiência pública na Comissão de Educação do Senado, sobre as revelações feitas no livro[/caption]

Depois disso, os dois caras da Fifa que assistiam a palestra foram à frente e falaram um pouco. Disseram que estavam com pouco tempo (a palestra atrasou em meia hora), tinham pouco tempo para "mostrar o outro lado". O trabalho deles consiste em viajar pelas cidades-sede no Brasil e falar um pouco sobre o que é o trabalho da Federação e o alcance das ações deles, para tentar acalmar os ânimos da população e reverter um pouco a imagem negativa que a Fifa possui.

Falaram que Jennings não pegou "todo o quadro" da Fifa, que a a Copa do Mundo estava custando cerca de US$ 2 bilhões (não lembro o valor certo) para a Fifa - ao que o Gustavo Mehl, do Comitê Popular da Copa gritou que era mentira, que  só o Maracanã havia custado R$ 1 bilhão.  Os membros da Federação, dois ingleses, frisaram "U$ 2 bilhões para a Fifa". Desse total, US$ 1 bilhão e poucos serão investidos no futebol de base no Brasil e parece que os US$ 1 bilhão restantes serão gastos com o próprio pessoal da Fifa durante a Copa. Não lembro direito.

Respondendo uma pergunta da plateia, disseram a Fifa esperava lucrar (acho que) US$ 4,3 bilhões com a Copa do Mundo no Brasil, o mesmo lucro que obteve na África do Sul. Disseram que o lucro obtido com a Copa do Mundo no Brasil ia ser usado para financiar outras 20 Copas do Mundo futuramente. Eu não entendi essa matemática financeira deles. Falaram também que o dinheiro arrecadado é usado para financiar os times de base das 209 associadas da Fifa. E essa é uma questão a ser acompanhada de perto tanto pelos governos, pela imprensa, pelos comitês populares e sociedade em geral.

Eles reconheceram que há corrupção nas relações entre a Fifa e os governos, o que me deixou surpreso, mas meio que jogaram a "culpa" em cima dos países interessados em sedia os torneios. "A Fifa não obriga ninguém a sediar uma Copa do Mundo". Eles disseram que se mostravam abertos a um convite do Sindicato dos Jornalistas para voltarem lá e falar um pouco sobre o ponto de vista da Fifa sobre o campeonato, ao que o Carlos Vainer começou a gritar e exigir que o Comitê Popular também fosse convidado para participar do pré-lançamento da Copa do Mundo em São Paulo. Um deles perguntou porque o Vainer estava sendo tão agressivo. Eles disseram que iam levar a demanda para os superiores deles. Depois de um tempo foram embora. Durante a fala dos caras, uma das meninas da plateia jogou uma bola de papel neles, o que foi rechaçado por todas as outras pessoas. No final, uma galera vaiou eles. Eu não peguei o nome dos caras e não acho que serão convidados para apresentar "o outro lado".

Depois abriram as perguntas para a plateia. Como de costume em todos os eventos, nego mais discursou do que fez perguntas ao principal convidado. Uma representante do grupo LGBT reclamou dos preços das passagens de avião e dos hotéis na época da Copa do Mundo. Outro falou da Aldeia Maracanã, situada no antigo Museu do Índio que virou ponto de resistência de uma galera mais engajada nas manifestações. O cara, que pra mim tinha uma cara triste, falou de como os manifestantes e os índios botaram o nome do Sérgio Cabral "na boca do sapo" e desde então a popularidade do governador caiu a números inimagináveis até pouco tempo atrás. Ele ameaçou colocar o nome do Eduardo Paes e da Dilma também na boca do sapo. Nego bateu palmas em apoio.

Quando acabou a palestra eu fui lá tentar falar com o Andrew Jennings. Se não tivessem falado que ele era escocês, daria pra adivinhar a nacionalidade dele só pelo tamanho das suíças do cara. Esperei uma senhora com uns alunos da Escola Municipal Friedenreich falar com ele. Ela agradeceu a palestra e falou do caso da escola, que não foi removida por conta das manifestações. A escola ia virar lugar de aquecimento para os atletas da Copa. Uma galera foi falar com ele depois disso.

Aproveitei uma brecha e perguntei como é que ele consegue as informações internas da Fifa. Ao que ele respondeu "que fez o que todo bom jornalista faz: construiu uma rede de contatos". Mas fiquei insatisfeito e queria que ele explicasse mais. Ele então falou que durante um evento esportivo, começou a  fazer perguntas incômodas sobre a Fifa. Foi aí então que um dos funcionários procurou ele e começou a divulgar as informações. "Eu chamei a briga para mim", disse. "Então você levantou uma bandeira para percebessem você?", perguntei. "É mais ou menos isso", concluiu. Eu queria perguntar mais coisas, mas já estava tarde e iam levar ele para comer alguma coisa. Aí agradeci e fui embora pra casa.

**
O debate serviu, dentre outras coisas, pra ajudar a responder uma pergunte que eu tinha me feito há um tempo atrás. Qual é a contribuição da Fifa para o Futebol?. Eles investem em futebol de base, por exemplo (dentre outras coisas que não sei).

Mais informações:
* Transparency in Sport;
* Twitter do Andrew Jennings;

Nenhum comentário:

Postar um comentário